Horizonte errado

É aqui, pinto meus pesadelos, derreto mesmo diante de pedras de gelo, aqui eu me encontro de um jeito que não é real, mas aqui também me perco...




Confesso; vendi minha alma quando vesti aquela blusa e me fitei no espelho,algo como uma segunda pele, ela era perfeita, moldava delicadamente meu corpo e me deixava com um quê de SUPER-MODELO. Não deu outra, me apaixonei de cara pelo meu próprio reflexo, fiquei completamente sem ar assim que esbocei um sorriso, não aquela não poderia ser eu, acho vaidade uma coisa meio inútil, ainda mais nos últimos tempos, nunca estive tão descuidada, ando pra todo lado de havaianas ou então de tênis, me visto com camisões masculinos e há séculos não sei o que é um mero pozinho no rosto, tudo aquilo caiu por terra naquele exato momento.
Quando experimentei a maldita calça da tal Calvin Klein, quase tive um orgasmo de tão linda que ela era, macia, terna, o contado do jeans era uma caricia irresistível, tive medo de me encarar no espelho, continuava com os olhos voltados para o chão namorando com a calça dona de meus suspiros, meio tímida levantei a cabeça com cuidado para me ver... Dei um gritinho extasiado, junto com um salto de pura satisfação, rodopiei alegremente em volta de mim, corri do provador com o sorriso mais desvairado que a minha boca permitia e disse triunfante pra vendedora que me atendia:

- Aceita Visa?

Ele abria e fechava a boca monotonamente, continuei pintando as unhas de vermelho, o cigarro abandonado no canto esquerdo da minha boca, Flávio gesticulava freneticamente como que desesperado por atenção, eu tragava lentamente fazendo o possível pra não borrar minhas unhas e nem ter que ouvir seu dramalhão de merda, aquilo me cansava, a paixão me cansa, me enerva ver o servilismo imbecil tomando conta das pessoas apaixonadas, o brilho irritante nos olhos e os inúmeros de eu te amo, escutar aquilo não passava de uma tortura, uma brincadeira fodidamente sem graça, um musical falido que eu era obrigada a ouvir.
Fitei intensamente minhas unhas pintadas, Flávio explodiu:
- Porra, Natalie está me ouvindo?
O encarei entediada e sussurrei de maneira cínica:
- Não, deveria estar?
Ele resmungou algo incompreensível, retirou o cigarro da minha boca, o amassou e deixou que caísse no tapete.
- Qual é o teu problema, heim?- quis saber ele com um ar cansado.
Ajeitei meu corpo na cadeira e sorrindo perguntei:
- Por que tu gosta de mim?
- Tem que ter um por quê?
- Claro, afinal eu sou exatamente assim, não te escuto, não te beijo e nem sequer te suporto, está mesmo assim tão carente de atenção, ainda que ela não exista?
Ele me encarou com o irritante brilho apaixonado nos olhos:
- O coração tem razões que a própria razão desconhece!
Não pude deixar de rir com aquilo, deve ser por isso que odeio essa estória de paixão é só uma desculpa estúpida para as pessoas perderem a vergonha na cara e se isentarem de culpa, não posso perdoar quem se isenta de culpa, mesmo tendo usado esse mecanismo inúmeras vezes não posso me permitir cair em qualquer armadilha do tipo, não posso e não vou por isso mesmo levanto, beijo a testa do homem que supostamente me ama pra toda a vida e venho pra esse blog descarregar, explicar e disseminar minha total incapacidade de confiar em sentimentos, principalmente os de cunho amorosos.