Horizonte errado

É aqui, pinto meus pesadelos, derreto mesmo diante de pedras de gelo, aqui eu me encontro de um jeito que não é real, mas aqui também me perco...




Saí da igreja, a felicidade de ver a rua depois de 2 horas interruptas de conversa mole me deixava satisfeita a ponto de sorrir sozinha, disse sozinha? Lúcia se apoiava no meu braço esquerdo, caindo de bêbada como sempre.
-Pensando bem- disse ela meio arrastado- Não quero mais ser freira... Padres são estranhos e juro que o coroinha piscou pra mim!!
Não pude deixar de rir, Lúcia estava com a idéia fixa de fazer algo decente pra variar, tanto que depois de umas tequilas me arrastou para a primeira igreja que viu.
Mas acho que o padre e o seu sermão sobre o camelo, que poderia entrar no buraco da agulha, decepcionou um pouquinho a Lu. Graças a Deus!!
Lúcia soltou meu braço, coisa que detesto,sempre me sinto meio sem direção quando ela faz isso, não pude deixar de imaginar mais uma vez (talvez a enéssima da noite) onde diabos ela tinha estado durante aqueles meses todos, sentia vontade de abraçá-la e pedir baixinho que ela nunca mais sequer fosse ao banheiro sem mim.
- Onde você esteve?- perguntei simplesmente enquanto acendia um cigarro, ela o pegou da minha mão, tragou profundamente olhando um gatinho de rua e sorrindo meio idiota.
- Você não me queria aqui, Natalie... - ela cantarolou rodopiando.
Entrou em um bar qualquer, só voltou a falar quando a cerveja estava na metade:
- Natalie, me diz o que diabos eu ia fazer aqui? Você estava aí toda apaixonadinha por aquela garota e surtou como uma adolescente patética quando ela te chutou, não sou obrigada a tolerar certas coisas. – Ela falava sem olhar pra mim, fitava o cigarro com ternura, a voz era fina, não sabia se ela estava prestes a rir ou chorar.
- Então a culpa foi minha?- considerei, sem contudo acreditar em um absurdo desgraçado daquele.
Lúcia enfim me encarou:
- É você e eu, querida, sempre! O resto é desnecessário, mas acho que você já entendeu, por isso voltei, porque acredito que você já não possui coração algum e isso faz de nós duas uma só!
Uma lágrima fina escapou dos seus olhos negros e eu não pude deixar de concordar quando vi o reflexo da nossa mesa no espelho: Eu sozinha, diante de dois copos, enquanto o resto do bar mergulhado em fumaças ilícitas jazia em barulho de morte.
Sussurrei ao seu ouvido quando a beijei:
-Uma só...